3.2.08

Teia sem Aranha



Entramos no carro mamãe, eu e as tralhas de minha mudança. Meu irmão mais novo estava atrás, queria levar-me ao novo lar e despedir-se de mim. Foi uma viagem tranqüila, ao contrário do que esperava, até o momento em que mamãe foi tomada pela tristeza de deixar-me. Como forma de desabafo, começou a xingar-me com insultos que jamais pensei ouvir. Entendi sua dor. Mamãe parou o carro. Enxugou as lágrimas.
Lá fora a chuva fina. Dia cinza, pessoas cinzas olhavam pela janela. Descemos, abrimos a porta do pequeno apartamento que eu dividiria com uma amiga prestes a chegar.
Cheiro de casa sem gente. Poeira.
Colocamos minha mudança num espaço ainda amorfo que decidimos, previamente, chamar de sala. Mais tarde, entretanto, os elementos inseridos naquele espaço o delimitaram como quarto. Mamãe abraçou-me, depois dos esforços da mudança, e desconstruiu, naquele abraço, tudo que acabara de dizer-me no carro, horas atrás. Beijei meu irmão, foram embora. Comecei a limpar as paredes e o teto com a vassoura. Descobri que não estava só: havia ali uma comunidade alternativa de aranhas que vivia harmoniosamente, cada uma com o necessário para viver dignamente. Sem pena , fui matando uma a uma com a vassoura. Não deixei que nenhuma aranha escapasse, a não ser aquela.
Símbolo de resistência daquela comunidade, a tal aranha corria incessantemente e driblava, de todas as formas,os golpes com que lhe batia. Cansei. Repensei minha conduta e deixei-a viver. Como forma de reconhecimento à sua bravura, a partir daquele instante, a aranha seria o ícone daquela casa que ,de fato, era mais dela do que minha.
Chega minha amiga. A aranha, assustada com a possibilidade de mais uma invasão ao seu território, com seus pares de olhos famintos de vingança, corre em direção a Capitalina que, com um único golpe de sandália, esmaga, sem piedade, a tal aranha.
Esse é um dos primeiros contos que escrevi,se não for o primeiro mesmo. Por causa dele, ganhei o livro O Caçador , do professor Rinaldo de Fernandes, cujo conto Borboleta (história de uma ninfeta migrando num fim de tarde) ,muito me impressionou. Indicação de leitura para os queridos leitores deste blog. Mais, tomo a ousadia de publicar aqui o que Rinaldo falou sobre este conto ,por e-mail:
"Você tem talento para ficção, para a narrativa curta, está demonstrando isso. Achei muito legal a densidade dramática do seu texto - a aranha entrando como elemento de fundo para caracterizar todo uma situação humana, familiar, com certo teor dramático."
valeu teacher!!!

1 comentário:

Wander Shirukaya disse...

Realmente um um belo texto, onde seu Prof. Rinaldo dve ter sentido um pokinho dele em vc, pois ele como ninguem gosta de projetar sentimentos humanos em animais. ^^
Quanto ao blog em si: organize um layout; tudo branco chega doi na vista! hihi... Mas cuidado pra nao deixa-lo espalhafatoso tbm.
Bom, eh isso. Vida longa às historias curtas.

^^