4.2.08

Por que era domingo



? Ele nunca saía. Passava os dias numa solidão noturna, feito bicho.Acabrunhado que era.
A casa alugada era composta de dois cômodos. Salário de professor.Hoje, andava na rua sem gente, porque era domingo.
Caminhava a remoçar tristezas da infância das quais nunca se desfizera.O pai, morava a três quarteirões de sua casa. Separados os pais desde a infância, a mãe havia alcançado a guarda do menino.
Menino já não era, porém acariciava diligentemente desde a infância o ódio que, agora robusto, impulsionava- o para a vida.Sempre a angústia e a idéia fixa. Deus nos livre de uma idéia fixa.
Professor exemplar, amava a literatura. No ginásio, quantos amigos tivera , perdera. Nunca foi de esticar relações pessoais. A idéia é que embrenhava-se consciência a dentro, arrastando orgãos e secreções e impulsos nervosos em seu favor.Todo dia uma oração, pedindo a proteção de São Jorge. Na entrada da casa, uma comigo- ninguém-pode. Caminhava entre as flores dos jardins da capital , gostava de plantas. Só não gostava do pé de maracujá, aquele verde-espaçoso pé do qual pendiam frutos amarelos. Frutinha de bicha! Frutinha infame!
Naquele dia seguia como quem olha um futuro tão luminoso quanto próximo. Hoje a minha redenção, hoje a luz, hoje a paz voltará a se estabelecer e serei como criança. Serei como a criança que ficou no quintal faz vinte e cinco anos.
- Raimundo, chamava sua mãe.
- Oi, mãe.
- Vem pra dentro, menino. Vai chover!

Lá ia ele, criança, pequeno, branco.Gostava de brincar de se esconder, pique-esconde, esconde-esconde, escuro- escuro, esconderijos gostava.

-Vou contar até dez. Um, dois, três,. . ., lá vou eu!

Achei um, outro, outro, ia Raimundo à procura dos amigos em seus esconderijos escusos, perigosos. Até que chegou atrás do pé de maracujá. Não. Nenhum amigo o esperava agachado temendo ser descoberto. Era nenhum amigo que estava por lá, mas seu pai. Era domingo. Seu pai fora pego masturbando-se.Com um braço, segurava a mais querida amiga de Raimundo. Marcela. Marcela, Marcela. Atônita ela olhou para Raimundo atônito olhava o pai.Animal no cio, seu pai descabelava-se, suava e soltava grunhidos. Marcela era a única amiga de Raimundo. Ele gostava do jeito ao mesmo tempo calado e ousado da menina. No recreio, a brincadeira. Sempre os dois: sorvete, pipoca, cola na hora da prova. Marcela deliciava-se chupando sorvetes de graviola.Ele e Marcela se amavam com a força do amor dos infantes.Ela desenvolta, apesar de calada, surpreendia-o sempre. Sempre um ato inesperado. Sempre o destemor diante dos perigos, o apego às contravenções e aos sorvetes de graviola.
Era assim: Raimundo, enquanto você distrai o sorveteiro eu ponho mais cobertura de caramelo. E o líquido derramava-se sobre o sorvete, ela punha a língua nas gotas que caíam na casquinha, era tudo bem rápido para o homem do sorvete não perceber.

- Eu juro, Rai. Quando tivermos quinze anos, nos casaremos e iremos embora daqui.
- Marcela, já sei. Vamos para a Europa. A professora me mostrou onde fica!
Raimundo, Marcela e o pai de Raimundo e o pau do pai de Raimundo jorrando um selvagem esbranquiçado odioso leite . Raimundo olhava o pai que olhava Marcela que olhava Raimundo.Os olhos de Raimundo puseram-se a lacrimejar e as mãos de criança fizeram-se fortes, cerradas. Foi ali mesmo, aos olhos do céu que ardia, a feitura da promessa.Mataria o pai. Seria um homem.
A idéia fixa que acompanhava as jornadas do menino e do rapaz e do homem: Ódio. Marcela correu. Raimundo jurou: quando crescer mato esse miserável.
Desde aquele dia as mãos de Raimundo puseram-se a tremer e um suor gelado corria-lhe a espinha. Para isso bastava ouvir, lembrar o nome de seu pai, o pé de maracujá, o líquido que escorria e Marcelo.
Raimundo crescera . Todo domingo um almoço sagrado na casa do pai. O plano era claro, mataria o pai com golpes de punhal.
Os dias correram para que, vinte e cinco anos depois, Raimundo estivesse preparado. Era manhã de domingo. Cedo, Raimundo saíra para comprar o peixe que levaria para o almoço. Um prato especial, papai. Dizia para si num misto de justiça e vingança. Peixe, tomates, muitos tomates, muitos tomates vermelhos.
Comprado o filé, ia Raimundo. Bom dia, bom dia. Hoje é um dia dia dia da independência. Farei um almoço para papai.
Do dia no quintal, brotara o poema de Raimundo:

Papai
Papai
Amo-te tanto
que lavarei a tua alma

Para que ela não arda
num fogo de maior chama
melhor será morreres
com o punhal de teu filho
deitado em tua própria cama.


E porque era domingo, saíra elegante e Vestira-se de branco.Duas nobres ações acompanhavam aquele almoço e aquele moço: Lavar a alma da família, vingar a honra de Marcela.Espírito enlevado, marchava até a entrada da casa. Marcela, marcela, mar...hei de te vingar.
O pai abriu a porta. Do quintal jorrava uma música cadenciada e alegre.
- Tem visita, papai?
- Chegue cá meu filho. Quero te apresentar uma moça de quem deves lembrar.
Um pouco decepcionado com a mudança súbita do ambiente e com a suposta necessidade de mudar os planos, Raimundo, ajeitando a faca na cintura, acompanha o pai: À sua frente
– Aqui, atento leitor, abstenho-me de contar o que sucedeu. Lavo as mãos e deixo em branco o papel, pinta da cor que quiseres, aconselho-te, apenas, uma cor de morte-s
s

s
s


s s



s





s s




s


s s
segura pelo braço de João, Marcela atônita olha Raimundo atônito olha o pai.















Sem comentários: