21.8.06

Paulo Ró e Pedro Osmar no Espaço Paralelo

Sexta-feira amena. . . Num lugar recônditozinho dos Bancários. Cocas-colas,sinuca, reenconto com amigos. Parecia tudo tranqüilo, não fosse a ânsia de ouvir os irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró. Negros como a luz da noite, iluminaram o palco do Espaço Paralelo. Ousar levantar-se da cadeira, exceto se para fumar(Pedro Osmar fica sufocado com a fumaça) desde o ínicio do show, era heresia. Era mesmo, o negócio foi quase religioso.
Palco desarmado de ornatos, senta-se Paulo Ró. Em sua companhia, um pandeiro, uma voz. Era música tirada de tudo o que é canto do corpo. A mão errante no pandeiro, e a ousadia com a experimentação da voz e dos ritmos, disse muito de sua intimidade com a música. Depois surge impávido Pedro Osmar. Ele, o violão e todas as possibilidades de dele tirar música. Eles, então, começam a sincronia de sons guturais,instintivos; sons que surgem da própria carne. Cavidades bucais abertas deixando exalar cheiro de êxtase pelos cantos das mesas e cadeiras, passando pelos nossos ouvidos, entrando na mente, no corpo. Foi demais.
Dava para lembrar o quanto Tom Zé é bom, o quanto esse povo todo é destemido. Fazer música fora da moda comercial,contudo, uma música afinadíssima com as inquietudes da vida moderna. Música atenta ao passado e ao presente fragmentado do homem moderno. Música cassete, euroafricanasiamenteamericana música. Os irmãos intercalaram momentos em que tocavam e cantavam juntos, com momentos em que cantavam ou tocavam sozinhos. Houve também instante de poesia, quer dizer de poema escrito,sabe? Daqueles que são lidos para uma platéia. Porquanto aquilo era poesia tudo.Qualquer Allan Poe que estivesse ali diria do arrebatamento que aquela fruição causava na gente.
"Liberdade, liberdade, é o único sentimento de revolta". . . liberdade era o que se nos mostrava naquela simbiose: instrumento-voz-homem-transformação.Arte como meio de libertação interior. Era para fechar os olhos e sentir como se estivesse voando. Teve blues, brega,teve rock and roll.
Zé Guilherme fez sua apariçaõ em brilho verde, era sorriso e muito som no pandeiro.Muito entrosamento. Só podia ser coisa de quem acredita na necessidade da arte. Que a arte supre nossa necessidade de fantasia desde os mais remotos tempos e que não podemos viver sem ela é claríssimo. Mas, nem todo dia temos a graça de ver arte que se quer mudando o mundo. Arte que se quer destruindo o que há de mal. Arte que é forma bonita para dizer do conteúdo de selvageria do nosso mundo nascido gauche.
"Nalva me falou, Nalva me falou que estava cansada de ficar quieta, que estava cansada de ficar quieta/ e vocês, e vocês, e vocês o que me dizem?"
Por favor , pensem em ouvir estas citações!
Numa das músicas, acho que começa assim: "Dessamarre os nós do sapato/ depois desamarre os pés". . . ( Desculpem qualquer erro, nunca a havia escutado antes) acontece a delicada beleza da voz de umamulher- cujo nome, desculpem, não sei ainda- unida à natural melodia da voz de Paulo Ró. Epifania era o nome do estado em que me encontrava, em que me encantava?naquele espetáculo. Que tenham muitos anos mais esses homens cuja sensibilidade e imaginação criadora o mundo está precisando. Foi quase o que senti e conto pra vocês. Esse texto sai depois de martelar dentro de minha cabeça, acho que é isso que a arte faz com a gente, sacoleja, incomoda.
Sereias cantando aos nossos ouvidos sem cera!

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