10.10.06

Convalescendo

Ontem, acordei na mesa de cirurgia.Acabara de tomar anestesia e o médico ao meu lado era um açogueiro melado do sangue da vítima anterior. Pus-me a tremer irremediavelmente era meu destino estar ali. Pus-me a pensar em escrever depois sobre o tênue limite entre vida e morte. os olhos verdes grandes da enfermeira eram aterrorizantes e os velhos dedos do doutor indiferentes. Cortaram-me a carne, tiraram-me o apêndice. as minhas desoladas pernas não podiam se mexer e ao tocar-me senti textura diferente nas pernas e vulva. Enfiaram-me narinas a dentro canudinhos verdes por onde passava oxigênio e durante uma hora eu pensava em poesia vida e morte. O amor passou-me fugaz deixando um cheiro de saudade .Inquieta eu perguntava: - É assim mesmo doutor, tá certo isso que estou sentindo. O doutor falava sobre futebol e sobre a dúvida do que iria dizer a sua mulher. Passei uma hora pensando em poesia, vida e morte. Ora essa, que vida besta, frágil, rápida , inconsistente, sem sentido algum. Passei uma hora me refugiando na minha fantasia.passei uma hora dentro de uma sala verde com pessoas desconhecidas e que faziam medo de morte.pensei que a vida é quando a gente acorda e a morte quando se está dormindo. pensei.Passei uma hora pensando em poesia, vida e morte. Minha mãe cuidou de mim, cuidou muito de mim. isso me dá vontade de chorar porque minha cabeça é doente, minha alma é doente, esse mundo todo todo todo todo é doente, doutor.

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